Atento aos sinais

2013

Atentos aos Sinais
Atento e forte aos 71 anos, Ney Matogrosso mal encerrou a turnê do show "Beijo Bandido" já está de volta à cena com espetáculo quente, pop, urgente, de roteiro sempre surpreendente, calcado em músicas de artistas do universo indie brasileiro. Na estreia nacional de Atento aos sinais no Cine-Theatro Central de Juiz de Fora (MG), em 28 de fevereiro de 2013, Ney Matogrosso se reafirmou um (grande) intérprete inclassificável, já atemporal, politizado.

Sob a direção musical do tecladista Sacha Amback, o cantor dá sua voz metálica a compositores cults e/ou emergentes em show feito na pressão. A pegada dos arranjos é calcada nos metais. Egresso da banda Ouro Negro, o trombonista Everson Moraes sopra com o trompetista Aquiles Moraes sons calorosos ao longo de todo o show.

A metaleira já ecoa forte no refrão do primeiro impactante número, "Rua da passagem (Trânsito)" (1999), parceria de Lenine com Arnaldo Antunes que esboça flash do caos urbano, sinalizando a efervescência do espetáculo. Explosiva, "Incêndio" (1992) - música do repertório da banda carioca Urge, plataforma dos primórdios punks do compositor Pedro Luís - mantém elevada a temperatura, aquecida também pela luz vermelha que incide sobre o palco.

Incandescentes, os metais simulam as sirenes de um carro de bombeiros. Na sequência, o rock "Vida louca vida" (Lobão e Bernardo Vilhena, 1987) reitera o tom urgente do roteiro. Imagens antigas de Ney - que remetem à fase dos anos 70, de discos como Pecado (1977) e Feitiço (1978) - são projetadas como a sinalizar balanço existencial de vida que já foi louca.

Termina, então, o bloco cheio de pressão do início do show. Após retirada estratégica de peça do figurino, "Roendo as unhas" (Paulinho da Viola, 1973) abre set menos incendiário, mas nem por isso menos incisivo.

Fora do universo do samba e do choro, o tema de Paulinho se ajusta à pegada do show com suingue latino. "Noite torta" (1993) - primeira das três músicas de Itamar Assumpção (1949 - 2003), compositor predominante no roteiro - soa climática, com leve psicodelia. A letra fala em espelho. E, de certa forma, tal citação está refletida no cenário, que aloca um espelho ao centro do palco - base para a troca de figurinos. É sentado na frente do espelho que Ney canta o tema de Itamar.

Ney muda de figurino numa troca em frente a cadeira de espelho que leva o publico à loucura. Retomado o roteiro, "Two naira fifty kobo", de Caetano Veloso, ganha batuque tribal e sentido político adicional em tempos de aniquilação de povos indígenas.

Imagens de índios são projetadas nas plataformas metaleiras que compõem o cenário metálico. Um dos pontos mais altos do show, "Freguês da meia-noite" esboça clima noturno que brinca com códigos do cancioneiro kitsch nacional.

É a senha para um bloco de sensualidade mais erotizada. "Isso não vai ficar assim" - de Itamar Assumpção, é veículo para a exposição dessa sensualidade exibicionista do cantor, elevada a níveis explicitamente provocantes no verso Beija-me.

"Pronomes" pop rock tropical do repertório da banda paulista Zabomba - propõe mais liberdade e menos regras na gramática sexual. "Beijos de imã" - música em que Ney se apresenta como compositor, assinando o tema com Jerry Espíndola, Alzira Espíndola e Arruda - cola nesse tom erotizado e brinca em cima daquilo.

Ney se deleita em cena, para gozo da plateia, Sucesso cult da banda carioca Tono, "Não consigo também" bate na tecla da sensualidade no registro quase lascivo de Ney. O balanço pop tropical do "Samba do blackberry" surte efeito de cara, injetando humor no mosaico contundente de "Atento aos sinais".
Confirmando o caráter surpreendente do roteiro, montado sem hits e sem concessões, "Tupifusão" expõe em cena a verborragia consciente do rapper alagoano Vítor Pirralho. O tema é valorizado pela coreografia de Ney no número.

No fim, "Todo mundo o tempo todo" - ótima composição do inspirado Dan Nakagawa - fecha o show em grande estilo, traduzindo na letra a efervescência e a inquietude de "Atento aos sinais", espetáculo exuberante que celebra o movimento incessante e renovador da vida.

No bis, Ney é alvo da ovação da plateia ao reviver "Amor" (João Ricardo e João Apolinário, 1973), música menos batida do primeiro álbum do Secos & Molhados, grupo que deu visibilidade nacional ao cantor há 40 anos.

1. Rua da passagem (Arnaldo Antunes e Lenine)
2. Incêndio (Pedro Luís)
3. Vida louca vida (Lobão e Bernardo Vilhena)
4. Roendo as unhas (Paulinho da Viola)
5. Noite torta (Itamar Assumpção)
6. A ilusão da casa (Vitor Ramil)
7. Oração (Dani Black)
8. Two naira fifty kobo (Caetano Veloso)
9. Freguês da meia-noite (Criolo)
10. Isso não vai ficar assim (Ney Matogrosso)
11. Pronomes (Beto Boing e Paulo Passos)
12. Beijos de imã (Jerry Espíndola, Alzira E, Arruda e Ney Matogrosso)
13. Não consigo (Rafael Rocha)
14. Fico louco (Itamar Assumpção)
15. Samba do blackberry (Rafael Rocha e Alberto Continentino,)
16. Tupifusão (Vítor Pirralho)
17. Todo mundo o tempo todo (Dan Nakagawa)

Bis:
18. Amor (João Ricardo e João Apolinário)
19. Astronauta lírico (Vítor Ramil)

Banda

Ney Matogrosso Voz
Sacha Amback teclados, arranjos e direção musical
Marcos Suzano percussão
Dunga baixo e vocais
Maurício Negão guitarras e violão e vocais
Felipe Roseno percussão
Everson Moraes trombones
Aquiles Moraes trompetes e flugelhorn

Produção

Criação de Luz Ney Matogrosso e Juarez Farinon
Iluminação Juarez Farinon
Figurinos Ocimar Versolato, Marta Reis e Milton Cunha
Produção Executiva Krishna Viegas
Direção de Produção João Mário Linhares
Camarim Marivaldo Santos

* Texto e pesquisa de Marcia Hack







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